Estima-se que existam 221 mil pessoas em situação de rua no Brasil. Foto: Nair Bueno

Reportagem: Thales Lima

O município não conta com estudo detalhado capaz de identificar perfil, demandas e ações voltadas a pessoas que vivem em situação de rua na cidade.

Apesar da criação de um centro de referência para atender as pessoas em situação de rua em Macapá, os serviços ofertados a essa população ainda são restringidos. Os próprios usuários apontam a necessidade de ações mais eficientes para garantir pernoite, cursos profissionais para inserção no mercado de trabalho, além de atividades culturais.

A I Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua, publicada em 2009 pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (atualmente Ministério da Cidadania), caracteriza as pessoas em situação de rua por possuírem em comum pobreza extrema, vínculos familiares quebrados ou fragilizados e sem uma moradia convencional, utilizando a rua para viver e/ou trabalhar.

É o caso de Patrick Hernandes, 27 anos, que se viu em situação de rua em 2013 após ter tido depressão, perder os laços familiares e recorrer ao álcool como alívio para os seus problemas emocionais.

“Eu estava descobrindo o mundo, experimentei várias coisas. Foi nessa época que eu contraí HIV. Isso me afetou psicologicamente o resto da minha vida. Eu acabei me fechando para o mundo, não consegui encarar de frente essa situação e nem tive apoio. Foi por isso que eu recorri às ruas, não consegui me ver como pessoa, como ser humano”, diz.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA/2020), estima-se que existam 221 mil pessoas em situação de rua no Brasil; 9,3% dessa população está na Região Norte. A pesquisa mostra que houve um crescimento de 140% do número de pessoas em situação de rua desde 2012. Além disso, as pessoas nessa situação estão concentradas em grandes cidades. A principal hipótese do crescimento pode estar relacionada diretamente às crises econômicas e sociais que atingem o Brasil nos últimos anos.

Atualmente, o município de Macapá busca executar a política de proteção social, através de programas e projetos seguindo as diretrizes da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que divide a proteção em básica e especial.

“Executamos hoje a política da proteção básica e especial através de programas e projetos realizados pelos centros de referência, seguindo a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e do que é garantido pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Na proteção básica são realizadas ações quando ainda não há a violação de direitos, quando a família é o amparo desse indivíduo. Já na proteção específica, essa assistência é realizada quando já há a ocorrência de violação de direitos” diz Max Yataco, subsecretário da Secretaria Municipal de Assistente Social e Trabalho – Semast.

Fruto da Política Nacional para a População em Situação de Rua (decreto Nº 7.053/09), existe em Macapá o Centro Pop: Amizade que é referência no atendimento especial a pessoa em situação de rua. O Centro é gerido pelo município através da Semast; foi criado em 2014 e funciona no centro da cidade pela parte da manhã. Seu principal objetivo é acolher indivíduos em situação de rua e inseri-los na sociedade, oferecendo alimentação, banheiros para higiene pessoal, além de promover ações como rodas de conversa, encaminhamento para retirada de documentação, para postos de saúde, disponibilização de assessoria sociojurídica e atendimento psicossocial.

“Tem muitas pessoas que vivem da rua, das relações que são construídas na rua. Seja do trabalho informal ou aquelas que têm um teto sobre a cabeça, mas não tem alimentação. Nosso objetivo é promover a redução de danos e proporcionar a oportunidade dessas pessoas de saírem da rua, se não sair para que elas tenham acesso a direitos”, afirma João Amanajás, assistente social do Centro Pop: Amizade.

O Consultório de Rua é outra política específica que aborda pessoas em situação de rua que não frequentam o centro de referência.

Apesar do centro de referência e serviços disponíveis, a política existente no município é insuficiente para a realidade local. Um dos principais problemas que as pessoas em situação de rua enfrentam é não ter local onde possam pernoitar e dormir com tranquilidade, segundo Elizabete da Silva, 34 anos, que se encontra em situação de rua em Macapá.

“É muito difícil dormir na rua. Dependendo do local que a gente encontra pra dormir, não é um sono tranquilo. Sempre estamos juntos, de duas ou três pessoas, para tentar garantir a segurança. É sempre perigoso. Medo de ser roubado, esfaqueado, agredido entre nós mesmo ou entre pessoas de fora. A própria (polícia) militar também que olha a gente com maus olhos. A gente que mora na rua só tem proteção de Deus e a sorte.”

Israel Oliveira, coordenador do Movimento Antimanicomial do Amapá, ressalta a limitação da cobertura de assistência social em Macapá e da necessidade de implantação do albergue popular. Confira entrevista concedida ao Observatório:

A Semast não possui um estudo aprofundado para a implementação mais estratégica de serviços especializados de abordagem social, por exemplo, que é exigido pela Política Nacional para a População em Situação de Rua.

Um estudo aprofundado permitiria identificação das pessoas em situação de rua, mapeamento de vulnerabilidades, problemas e regiões onde circulam, por exemplo. Essas informações permitiram qualificar o atendimento e direcionar os casos mais urgentes para serviços municipais, que ofereça educação, cultura, trabalho, moradia, resgatando a dignidade dessas pessoas.

Além da abordagem social e da implantação dos albergues populares, a Política Nacional para a População em Situação de Rua garante que são necessários investimentos em atividades educativas e culturais e medidas para garantir proteção e formalização de atividades realizadas por trabalhadores que moram nas ruas, como é o caso de flanelinhas e ambulantes. O objetivo é amparar as pessoas que estão em situação de rua e exercem atividades em subempregos sem nenhuma garantia, como por exemplo a previdenciária.   

Rony Oliveira disse que está em situação de rua há 4 dias. Vindo do Pará, tinha o objetivo de cruzar a fronteira em direção à Guiana Francesa em busca de trabalho. Na tentativa de entrar ilegalmente no país estrangeiro, foi pego pela polícia de fronteira e deportado para Macapá. Mesmo tendo família no interior do Pará, prefere ficar aqui devido à dificuldade de arranjar trabalho por lá. Mas sua relação com os familiares é boa.

“Eu nunca morei na rua, na verdade eu sou emigrante e estou à procura de um local que eu possa ganhar dinheiro. Passei por alguns interiores do Pará, e estava tentando ir trabalhar no garimpo lá em Caiena. Só que me pegaram e eu fui deportado, me mandaram para Macapá com meus documentos, poucas roupas e dinheiro. Vou ficar por aqui até encontrar um trabalho”, falou.

Segundo a Semast, a implementação de novas políticas e equipamentos municipais voltados a atender essas pessoas depende da expansão do sistema para que verbas federais sejam destinadas exclusivamente para esses fins. O desafio é diagnosticar o problema que envolvem esse segmento para que ações e políticas possam ser implementadas com mais eficiência.