Maria Carolina Monteiro de Almeida, Advogada, graduada em Direito pela UNIFAP e pós graduanda em estudos culturais e políticas públicas pela UNIFAP. Atualmente é presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/AP triênio 2019/2021

Quem atirou usava farda. Outra vez” Esse é um trecho da música Ismália do rapper Emicida que ilustra que a violência é um marcador que acompanha um certo grupo da sociedade. 

Há alguns anos, o Amapá se destaca no ranking dos estados com maior índice de violência policial do país.

Recentemente, o monitor da violência publicado no mês de abril pelo site G1 mostrou que desta vez o estado figura em primeiro lugar, com 128 (cento e vinte e oito) mortes por agentes policiais em 2019, sendo 15, 1 mortes para cada 100.000 (cem mil) habitantes, superando a média nacional. 

Não obstante, é preciso identificar os sujeitos que são alvo das investidas policiais: suspeitos de condutas criminosas, jovens negros e periféricos. Na maioria dos casos, os representantes da segurança pública estadual argumentam “troca de tiros” e/ou enfrentamento com a ação policial. 

O Brasil possui mais de 50% da população autodeclarada negra, incluindo pretos e pardos conforme a nomenclatura do IBGE. O Amapá, de acordo com o último censo, possui mais de 70% de sua população negra. 

Os resquícios históricos 

O histórico de pessoas negras no Brasil remete à luta e resistência. Em primeiro lugar, a luta é por sobrevivência desde o tráfico negreiro e os 300 anos de escravidão, passando pela ocupação de áreas periféricas (favelas, morros e áreas de ressaca) no período pós-abolição, até o genocídio atual de sua juventude. A resistência é marcada pela tradição e cultura afro-brasileiras que foi e ainda é passada por gerações de famílias escravizadas, servis e operárias e que hoje é, juntamente com a tradição indígena, a cultura brasileira. 

Os corpos negros são marcados e vigiados pelo racismo estrutural que os subalterniza, retirando-lhes a humanidade. Este é um mecanismo poderoso que sustenta relações e espaços de poder há séculos e que mantém a pirâmide social proposta por Angela Davis, em que, do topo para a base, figura o homem branco, a mulher branca, o homem negro e, por último, a mulher negra. 

Culpado por ser negro? 

“80 tiros de fuzil te lembram que existe pele alva e pele alvo”. Ismália surge novamente para compreender a diferenciação dos sujeitos em situação supostamente criminosa. A abordagem policial remete fortemente aos estudos de Cezzare Lombrosocriminólogo italiano, que defende que a aparência de um sujeito é determinante para sua culpabilidade. Daí pode-se explicar quando dois jovens, por exemplo em uma apreensão de entorpecentes, um branco e um negro, recebem tratamentos diferentes do agente, da mídia e do próprio sistema de justiça. Para o primeiro jovem, até fala-se no uso do contraditório e da ampla defesa e dos diversos princípios processuais penais. 

Por outro lado, e falando especificamente da realidade amapaense, quem usa a farda também é o sujeito negro, na maioria das vezes, o que pode ser argumento para afirmar que a questão não é étnico-racial e sim de classe. 

O sistema oprime 

Contudo, analisando o racismo enquanto sistema de opressão que estrutura relações e comportamentos, tem-se que independentemente do sujeito individualizado que pratica a ação, o mesmo situa-se em uma sociedade pautada por diversos sistemas, dentre eles o racista. E que não há como enxergar a ação sem esses atravessamentos. Em verdade, a ação só existe porque estes sistemas permitem que ela exista. 

“Cuidado, não anda tão perto do sol. Eles não aguentam te ver livre; imagina te ver rei”. De maneira a manter o status quo, o lugar que o jovem negro periférico deve ocupar na sociedade jamais deve se confundir com aquele ocupado pelos descendentes dos senhores de engenho. Felizmente, para nós, luta e resistência nos acompanham e são e serão mais fortes do que qualquer tipo de violência. 

*O artigo não representa a opinião do Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas e tampouco da Universidade Federal do Amapá.