Eliany Rodrigues, Psicóloga com especialização em Dependência Química (Unifesp) e em Estudos Culturais e Políticas Públicas (Unifap),Psicanalista em Formação (Círculo Psicanalítico do Pará).

Hospitais lotados, pessoas sem informação, pacientes esperando atendimento, famílias sem orientação, profissionais esgotados, trabalhando com recursos e estrutura escassos, se colocando em risco a cada minuto. Isso não é novidade na saúde do nosso país. Os profissionais de saúde sabem que o descrito acontece todos os dias.  

No entanto, o momento atual acentua e exacerba todos os problemas que são cotidianos e traz um elemento novo. Uma sensação de perplexidade, angústia, de vulnerabilidade e de que ninguém sairá ileso deste momento.   

A falta de medidas e ações voltadas a saúde mental 

Em períodos de crise e grandes catástrofes é essencial que gestores e governos, como primeira medida importante a ser tomada, sejam continentes e consigam organizar e propiciar um clima de responsabilidade, com ações concretas para lidar com o problema, com o intuito de tranquilizar a sociedade para que se possa gerar a sensação de confiança nos atos tomados e assim levar as pessoas a criarem sentimento de colaboração. 

No que diz respeito ao cenário nacional percebemos que isto não vem acontecendo. Não temos um líder, um representante que seja continente às demandas do momento, sendo ao contrário causa de mais angústia e desconforto. A desestabilização política e a falta de um representante no qual possamos projetar a função de amparo propícia maior desorganização psíquica. 

Medidas existentes, porém, insuficientes

O que temos são ações governamentais precárias, em âmbito federal, baseadas fundamentalmente no modelo biomédico, que considera os aspectos médicos, orgânicos e biológicos. Contudo, vemos que a dimensão psíquica é igualmente relevante e necessita de cuidados. Nesse aspecto, entidades de pesquisa de grande relevância estão organizando manuais com orientações e intervenções em saúde mental para que consigamos ter um norte. 

Está se falando muito da saúde mental. Nos aspectos individuais, no autocuidado, na atenção a quem está a seu lado. Inúmeras iniciativas de grupos de profissionais e entidades estão sendo disponibilizadas para escuta e apoio. Entretanto, no que diz respeito a uma ação direcionada do Estado em saúde mental, na elaboração de um plano que contemple esta área?

Como está a situação no Amapá? 

No Estado do Amapá a saúde mental, como política pública, está se tornando inexistente de forma progressiva. Há alguns anos a Coordenação em Saúde Mental foi retirada do organograma da Secretaria de Saúde do Estado, em seu lugar criou-se a Chefia de Coordenação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que serve em linhas gerais como suporte, apoio e gerenciamento dos CAPS, mas apenas deles. Os CAPS não são os únicos dispositivos de saúde mental. Não são a rede de saúde mental. Isso sem contar que falta habilitação de alguns serviços, a criação e financiamento de outros essenciais que contemplem a realidade local.  

Houve um tempo que existia um trabalho de rede em saúde mental, que apesar das dificuldades, os dispositivos de atendimento e parceiros traçavam ações em conjunto. Havia movimentação, mobilização e capacitação, os usuários faziam arte e ocupavam a cidade. Existia um movimento e um plano de atenção psicossocial para o Estado. Hoje os dispositivos de atendimento estão desarticulados e sozinhos, cada um cuidando e exercendo suas funções, do melhor modo possível, mas isolados. 

O governo, na esfera estadual, pensa em ações de auxílio financeiro, de estrutura médica, mas estão pensando num plano em saúde mental? Um plano de contingência que possa dar suporte aos profissionais de saúde, não só para os que estão no atendimento intensivo às vítimas da COVID–19. Estão pensando no apoio às famílias destes profissionais e também no pós-pandemia? Estão pensando nos efeitos emocionais que a população amapaense está sofrendo e sofrerá? 

Medidas existentes, porém, insuficientes no Amapá 

O que temos são ações pontuais, de órgãos tentando dar conta de sua demanda interna. Precisa-se de um plano que estruture e organize os serviços, que oriente aos profissionais como proceder diante de pacientes com transtorno mental com COVID-19, como orientar as famílias diante dessa situação e várias outras situações que estão se apresentando. É necessário a articulação e ações conjuntas de todos os dispositivos. 

Enquanto a saúde mental não for prioridade e a prevalência for do discurso médico, do entendimento de que o físico se encontra separado da mente, que se desconsidere que o corpo também é psíquico assim como orgânico. Penso que na medida que a sociedade se mantém vendo as pessoas em sofrimento mental como não desejadas, que precisam ser retiradas das ruas, colocadas à parte da vida social, sendo consideradas inúteis porque não produzem, porque estão alheias ou rejeitam a lógica do sistema. E ainda enquanto os governos e gestores entenderem que o investimento, a estruturação em políticas públicas de saúde mental for perda de tempo, já que tal trabalho não rende tantos votos, porque não “aparece” e não gera grandes contratos, estaremos sozinhos lidando com o nosso desamparado constitutivo e social.   

*O artigo não representa a opinião do Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas e tampouco da Universidade Federal do Amapá.