Em entrevista ao Observatório TV, a integrante do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil do Amapá, Séfora Rôla, analisa os desafios atuais para o combate ao trabalho precoce de meninos e meninas;
O trabalho de crianças e adolescentes é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Adolescentes com mais de 14 anos podem trabalhar na condição de aprendizes. O trabalho noturno, perigoso e insalubre é proibido a todos os menores de 18 anos, sem exceção, conforme prevê a Constituição Brasileira.
Apesar dos avanços das últimas décadas, como aprovação de legislação e redução de 65% do trabalho infantil entre 1992 e 2015, com retirada de 5 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos da situação de trabalho ilegal, a situação do Brasil ainda é preocupante.
Em 2016, trabalhavam no Brasil, 2,4 milhões de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos – o que equivalente a 6% dos mais de 40 milhões de brasileiros nessa faixa etária. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Dados mais recentes capazes de mensurar o tamanho do problema que afeta meninos e meninas em todo país estão pendentes de divulgação pelo IBGE, o que motivou manifestação pública da sociedade civil.
De acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), das 2,4 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho em 2016, 1,7 milhão realizam atividades domésticas ao mesmo tempo em que trabalhavam, o que implica em uma dupla situação de exploração, com danos irreversíveis na saúde e rendimento escolar.
O trabalho infantil doméstico, invisível e difícil de ser combatido, é outro problema que afeta, em um recorte de gênero, as meninas que tem sua força de trabalho explorada de forma ilegal.
De acordo com estudo do FNPETI, que avaliou o trabalho infantil doméstico a partir de microdados da Pnad/IBGE (2012-2013), 94,2% das crianças e adolescentes explorados pelo trabalho doméstico eram meninas.
Trabalho infantil no Amapá
De acordo com dados do FNPETI, a partir dos dados da PnadC/IBGE de 2016, o Amapá ocupava o 18º lugar no ranking nacional de trabalho infantil na faixa etária de 05 a 17 anos. Já com base no Censo Agropecuário, em 2017, mais de duas mil crianças e adolescentes menores de 14 anos foram encontradas em situação de trabalho na agricultura familiar no estado.
Confira aqui diagnóstico da situação do trabalho infantil no Amapá.
O Observatório TV ouviu a assistente social do Ministério Público e integrante do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil do Amapá, Séfora Rola.
A especialista explica o cenário e os desafios no combate ao trabalho de crianças e adolescentes no cenário atual.
No país, fóruns de prevenção e combate ao trabalho infantil reúnem organizações públicas e sociedade civil organizada para monitorar e avaliar as ações governamentais de combate ao trabalho de crianças. Além do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho infantil, os estados do país contam com fóruns estaduais para discutir e buscar alternativas ao problema do trabalho infantil no âmbito local.
Legislação e políticas públicas
O Brasil é signatário da Convenção 182 e da Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho.
A primeira é a convenção que lista as piores formas de trabalho infantil que devem ser combatidas pelos Estados signatários do documento, o que inclui medidas contra a exploração sexual, trabalho forçado, servidão, recrutamento para utilização de meninos e meninas em conflitos armados, narcotráfico ou qualquer trabalho que prejudique a saúde física e mental desse grupo da população. Já a Convenção 138 dispõe sobre a idade mínima permitida para o trabalho.
Apesar do marco legal brasileiro – Eca e Constituição – ter incorporado recomendação dos marcos internacionais para combater e prevenir o trabalho precoce, o desafio ainda é garantir uma ação mais eficiente do Estado Brasileiro na oferta de políticas públicas eficientes que atuem em fatores estruturais, responsáveis por levar milhões de crianças e adolescentes a situação de trabalho.
A pobreza, articulada à ausência de políticas sociais para proteger e fortalecer as famílias dessas crianças são os principais fatores que incidem na ida precoce de crianças e adolescentes ao mundo do trabalho. Fator cultural que valoriza o trabalho como instrumento de educação, a baixa capacidade das escolas em garantirem a permanência nas escolas, compõem o cenário que torna o combate ao trabalho infantil um desafio.
O Brasil conta com o III Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, com metas para serem atendidas entre os anos 2019 e 2022. O desafio é garantir a execução do plano, considerando histórico de execução frágil dos dois planos anteriores e o cenário atual de desmonte do financiamento de políticas públicas (com aprovação do teto de gastos públicos).
O cenário atual de enfraquecimento das ações de fiscalização do trabalho infantil, a fragilidade de cobertura das políticas sociais e de cooperação com governos locais e sociedade civil por parte do Governo Federal também compõem um cenário de incertezas e dúvidas para o cumprimento dos compromissos do Brasil em erradicar o trabalho de crianças e adolescentes.
“Nós temos legislação, temos instrumentos institucionais para combater, mas enfrentamentos uma série de dificuldades para que esses órgãos cumpram a atribuição (de combater o trabalho infantil)”, destaca a integrante do Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil do Amapá, Séfora Rôla, em entrevista ao Observatório TV.