Safira Rocha diz que seu diferencial é ser atenciosa com suas clientes. Ilustração: Arthur Corrêa.

Reportagem: Thales Lima

Mulheres trans e travestis têm menos acesso à educação e profissionalização e, por isso, estão fora do mercado formal de trabalho. Sem oportunidades, muitas são levadas a subempregos.

A paixão pelo bronzeamento e a área de estética fizeram com que Safira Rocha, 25 anos, transformasse sua vida completamente. Hoje, a primeira mulher trans personal bronze de Macapá diz que nunca sentiu preconceito no seu espaço, mas ficou insegura ao abrir o empreendimento por medo de ser rejeitada.

“Tive ajuda de amigas que me cederam o espaço. Depois disso, eu fiz um curso online, porque aqui em Macapá não tem. E foi assim que surgiu o Safira Bronze. Eu fiquei um pouco receosa em abrir o espaço por eu ser trans. Mas, depois, eu percebi que foi uma coisa boa, pois eu criei uma profissão nova pra mim e eu sou a primeira trans em Macapá que tem um espaço de bronzeamento”, diz.

Safira faz parte dos 4% da população transsexual feminina que possuem um emprego formal, com possibilidade de ter carreira profissional, de acordo com o levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA.

O Dossiê Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras mostra também que 6% estão em atividades informais e subempregos e 90% da população de travestis e mulheres transexuais utiliza exclusivamente a prostituição como fonte de renda.

Em transição desde dos 16 anos, Safira diz que sempre teve o apoio familiar. Isso também se reflete na ótima relação com suas clientes. Para a empreendedora, ser uma mulher trans não influencia em nada no trabalho que realiza. Além disso, diz que o seu trabalho está ajudando a melhorar a autoestima de outras mulheres.

“Até agora nunca senti preconceito ou nenhum constrangimento. Minhas clientes até gostam do fato de eu ser trans, pois sou uma pessoa bem detalhista. Muitas vezes, algumas clientes chegam com a autoestima baixa e a gente conversa durante uma sessão. Isso é muito importante”, destaca.

O Musas do Bronze possui uma clientela totalmente feminina de diversos bairros de Macapá. Safira oferece três opções de bronzeamento e diz que seu diferencial é ser atenciosa com suas clientes.

“A preparação para o bronze é simples, a cliente chega, toma um banho, vai para o quarto para montarmos o biquíni. Se a cliente quiser só bronze simples, eu passo o produto e a coloco no sol. Ficando por um período de 1 hora, dependendo da cor da pele da pessoa”, explica.

A cliente pode optar pelo banho de lua. O pacote completo inclui bronzeamento, esfoliação e a hidratação com gel pós-sol.

“O que não muda independente do pacote é o conforto que ofereço para as minhas clientes. Eu ofereço água, suco de beterraba com cenoura para estimular a melanina e frutas”, detalha.

Funcionando das 7h às 14h, sempre tem o cuidado de não ultrapassar esse horário devido à incidência do sol na pele das clientes. Safira, inclusive dá dicas. A montagem do biquíni para definir as marcas com precisão do bronzeamento é feita com cuidado porque é uma etapa que faz a diferença na qualidade do bronze.

“O material que eu uso para montar os biquínis é a fita isolante, mas não só. Você tem que saber como montar um biquíni perfeito. Por isso que a gente estuda, para ter esse conhecimento. E mesmo assim, eu vou sempre buscando o melhor, me aperfeiçoando, pegando dicas”.

A alternativa para não afetar tanto o orçamento nos dias nublados e chuvosos é a técnica do bronzeamento gelado, também oferecido por Safira no seu espaço.

“Os dias sem sol afetam em parte o orçamento, mas eu utilizo a técnica de bronzeamento gelado. Ele é um procedimento que não precisa de sol, é feito a jato. Mas eu gosto de trabalhar com o bronzeamento no sol, o natural”.

Com 4 meses de funcionamento, a personal bronze acredita que o empreendimento já é um sucesso. Ela comenta que se surpreendeu com o fato de já ter muitas clientes. Já conseguiu atender 13 clientes em um único dia.

“Esse empreendimento mudou muito a minha vida. Me ensinou a ter mais responsabilidade, acordar cedo preparar tudo e esperar minhas clientes. A gente sempre recebe críticas, mas elas são bem-vindas. Nunca tive vontade de desistir”.

Preconceito exclui pessoas trans do mercado de trabalho

Com Guilherme Romano, 28 anos, a experiência de inserção no mercado de trabalho foi diferente. Ele é um homem transexual e está há 1 ano e 6 meses em transição.

A rotina de preconceito é parte da vida de Guilherme desde a escola, antes mesmo de iniciar a transição. A dificuldade agora é ter respeito pela sua identidade de gênero.

“Sempre tive que lidar com o machismo, e tendo que trabalhar o dobro por ser vista como uma mulher lésbica; na época, não era fácil. Atualmente, depois da transição, ainda é difícil, principalmente como eu sou visto. Tem gente que ainda está tentando entender como eu sou, mas tem gente que me trata da forma como bem entende”, diz.

“Tem gente que me trata da forma como bem entende” Foto: Hanna Paulino

Atualmente Guilherme é designer, possui uma agência de marketing digital e cursa a faculdade de Publicidade e Propaganda. O fato de ele ser homem trans faz com que algumas pessoas vejam seu trabalho como desqualificado.

“Eles deixaram o preconceito vir à frente do meu currículo. Atualmente tenho uma agência de marketing digital e já sofri transfobia, ao não consegui fechar um contrato com um cliente. Estava conversando com esse cliente pelo celular. Até então, estava tudo certo, mas preferi marcar uma reunião presencial. Marcamos em um local público e o responsável pela empresa, ao me ver, disse que a empresa dele era religiosa e que não poderia fechar negócio comigo”, relata.

A permanência do corpo trans ou travesti é impedida de ocupar espaço no mercado de trabalho.  Leia AQUI material que orienta como  trabalhar o tema dos direitos humanos LGBT no ambiente de trabalho.

Segundo pesquisa Pround To Work, realizada pela rede social LinkedIn, 37% dos LGBTI+ não revelam sua orientação sexual ou sua identidade de gênero no ambiente do trabalho por medo de sofrer represália. A pesquisa mostra que 35% das pessoas LGBTI+ já sofreram discriminação no ambiente de trabalho.

Os relatos de discriminação por identidade de gênero se repetiram na vida de Guilherme e mostram que o problema não é um fato isolado na vida de uma pessoa trans. 

“Quando eu trabalhava em uma concessionária de carros e estava no início da minha transição, comuniquei ao diretor que eu era um homem trans, ele me respondeu dizendo que a equipe iria me respeitar e que não haveria problemas. Mas depois de um mês, o tratamento mudou completamente. Não respeitaram meu nome social no crachá, eu era obrigado a usar o uniforme feminino, os tratamentos ficaram hostis. Foi então que decidi pedir demissão. Esse foi o primeiro caso de transfobia que eu vivi, foi bem doloroso. Lembro de ter chorado muito e de me sentir muito inseguro naquele ambiente”, relata Guilherme.

A invisibilidade da mulher transexual

13 anos é a média de idade que uma travesti ou mulher trans sofre com a exclusão familiar, sendo expulsas de casa pelos pais, tios, irmãos ou cunhados, segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA. Sem o apoio familiar, essas pessoas acabam abandonando os estudos e adentrando no subemprego.

Cerca de 72% das travestis e mulheres transexuais brasileiras não completaram o ensino médio. Outras 56% possuem o ensino fundamental e apenas 0,02% estão nas universidades, segundo dados do movimento Arco-Íris/AfroReggae

Comparada aos homens trans, as mulheres trans e travestis são um grupo ainda mais excluído. Isso porque 80% dos homens trans já concluíram o ensino médio e, quando empregados, possuem vínculo formal de trabalho.

Não existem informações oficiais sobre a realidade das pessoas trans e travestis em contextos locais, deixando explícitos a invisibilidade dessa população no Amapá. A ausência de dados dificulta também a criação de políticas públicas de assistência direcionadas às demandas e impossibilita a diminuição do nível de vulnerabilidade desse grupo.

André Lopes, atual presidente do Conselho Estadual de Direitos LGBT+ do Amapá, diz que enfrenta muitas dificuldades para discutir demandas da população trans e travestis.

“O conselho não tem infraestrutura para mapear as demandas da população trans e travestis. Não temos sala, não temos computador e isso impossibilita chegar até essa população. Pois não conseguimos identificar representantes ou coletivos de pessoas travestis e transexuais para que eles possam opinar sobre as demandas que possuem.”

Atualmente, o conselho está trabalho na construção do Plano Estadual de Direitos dos LGBT+, que é dividido em três eixos tentando englobar todas as demandas locais.

“Os princípios para a construção do plano são: diminuição da vulnerabilidade; atendimento e direitos invioláveis, buscando reparar os danos que causados pela violência contra LGBT+; e a defesa e responsabilização” diz. 

André frisa que o plano ainda não está fechado e passa por uma consulta pública para discutir as demandas e ações delimitadas. Mas deixa claro que para eficácia na execução do plano é necessário cria uma rede de proteção, com atendimento na área da saúde, acompanhamento psicológico e proteção social, algo inexistente no estado do Amapá.