Fonte: facebook/tretanotrampo

Reportagem: Thales Lima

A maioria dos entregadores trabalha diariamente por até 15 horas e ganha menos de R$260 por semana

O Breque dos App, como ficou conhecido a paralisação dos entregadores de aplicativos que ocorreu no dia 1º de julho, destacou a precarização nas condições de trabalho desse segmento de trabalhadores. 

No Amapá, a categoria concorda com as pautas levantadas pelo movimento, mas não possuem representantes, nem coletivos que defendam as demandas locais.

Segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), entre os meses de março a maio de 2020, o Brasil registrou 12,9% de desempregados. São 368 mil pessoas a mais que o mesmo período em 2019, de acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) sobre o Mercado de Trabalho Conjuntural do mês de maio de 2020.

Sem emprego, essa parte da população busca alternativas na informalidade para o sustento de suas necessidades. Como é o caso de Rodrigo, 33 anos, que sempre trabalhou como vendedor de picolé e hoje é entregador de aplicativo.

“Se não tivesse esse trabalho, eu estaria vendendo picolé na rua; nunca consegui trabalhar de carteira assinada até hoje. Eu tenho ensino médio completo, já iniciei faculdade de vários cursos, mas nunca consegui terminar”, declara.

Rodrigo trabalha há mais de um ano pelo app, mas diz que atualmente está com uma conta nova devido ao último assalto que sofreu. O entregador entrou em contato com a empresa que presta serviço pelo aplicativo para resgatar a antiga conta e não teve resposta

“Eu já fui assaltado duas vezes. Eu entrei em contato com a empresa para notificar o assalto e recuperar a conta que eu tinha. Eles falaram que iriam mandar um e-mail, mas até agora esse e-mail não chegou. E eu tive que criar uma nova conta para continuar trabalhando”.

Não é só a perda do aparelho celular que preocupa Rodrigo. Na conta antiga, ele já havia conquistado um novo status no sistema de pontuação aplicado pela empresa . O sistema de pontuação altera a forma de ganhar dinheiro, pois ela garante a oportunidade de uma nova entrega.

“Existem níveis dentro da empresa, eu estou no nível baixo por que a conta é nova. O aplicativo te dá uma quantia de pontos, conforme você vai trabalhando, vai acumulando e você sobe de nível. Todo mês você tem que fazer aquela quantia de pontos. A pessoa tem que estar todo dia na rua, para poder completar os pontos e se manter no nível mais alto. É uma forma que eles encontraram de manter os entregadores mais ativos”, explica.

Outro ponto que o entregador destaca é quanto os bloqueios e taxa por entrega. Quando um entregador aceita um pedido, a empresa que gere o aplicativo paga R$ 3,20 + R$ 1,40 pela entrega a 3km de distância, pedidos entregues geralmente por bicicleta. Ultrapassado os 3km, a empresa paga 3x R$1,10 por km, totalizando R$7,70.

“Metade da taxa fica com a empresa. Quando o pedido é pago no cartão, num período de uma semana o dinheiro cai na sua conta. Quando é feita no dinheiro, a gente tem que repassar para o aplicativo, se não repassar, eles te bloqueiam para pedidos pagos em dinheiro”, diz Rodrigo.

Trabalhando através de bicicleta, Rodrigo diz que está conseguindo tirar menos que um salário-mínimo, atualmente.

“Na outra conta eu fazia 50, 60 reais todo o dia. Mensalmente, eu tirava R$ 1.000, R$ 1.200. Essa daqui como é nova não cai muitos pedidos, aí não dá pra fazer muito não, consigo tirar uns R$700 reais por mês”, relata.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) sobre o Mercado de Trabalho Conjuntural de maio também mostra que o número de empregados no setor privado com carteira de trabalho assinada vem apresentando uma redução, -7,5% das pessoas deixaram a formalidade, entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020.

Alan, 44 anos, também é entregador por aplicativo e disse que antes trabalhava como vendedor externo, ao ser demitido, começou a trabalhar como entregador. Utilizando sua moto, diz que faz somente um turno todos os dias.

“Eu trabalho de meio dia às 18h, raramente eu saio à noite. E no domingo, dá para tirar um troco a mais por causa da alta demanda”, diz.

Entregar comida está sendo a única ocupação de Alan, e para ele o que recebe é suficiente para manter sua família. A taxa mínima paga pela empresa a Alan por entregas de 2km a 3km é de apenas R$5,00.

“Eu tiro uma faixa de R$1.300, R$1.400 reais por mês. Dessa grana, dá pra tirar a manutenção de moto, combustível e viver com minha esposa e duas crianças”, fala.

Condições precárias de trabalho

Com a pandemia do novo coronavírus, os entregadores notaram um crescimento no número de pedidos, mas isso não refletiu no orçamento. Segundo a pesquisa “Condições de Trabalho em Empresas de Plataforma Digital: Os Entregadores Por Aplicativo Durante A Covid-19”, realizado pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista, em parceria com pesquisadores da Unicamp, durante a pandemia, houve aumento em 100% no número de entregadores que ganham menos do que R$260 por semana.

A pesquisa mostrou também que 59,5% dos entregadores trabalham entre 09 e mais de 15 horas diárias. Além disso, 77,4% dos entrevistados trabalham por 06 ou 07 dias seguidos, ou seja, praticamente todos os dias da semana.

A falta de assistência durante a pandemia é ressaltada também na pesquisa, onde 62,3% dos entregadores afirmaram não ter recebido nenhum apoio da empresa para a qual prestam serviços. Outros 37,7% disseram ter recebido insumos de proteção ou dicas de como realizar o trabalho tendo o mínimo contato com o cliente.

Sobre as medidas preventivas contra o novo Coronavírus, Rodrigo disse que a empresa disponibilizou o ressarcimento de produtos de higiene pessoal mediante a comprovação de nota fiscal, mas que não utilizou esse serviço pois é muita burocracia. Alan diz não ter recebido nenhum auxílio de segurança da empresa de aplicativo  para qual a presta serviços.

O trabalho precário dos entregadores é parte de um debate sobre as tendências do mercado de trabalho contemporâneo. Mais informalidade, menos direitos trabalhistas e uma intensa exploração da força de trabalho.

O jornalista Henri Chevalier analisou, a pedido do Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas, o cenário que marca as relações de trabalho no capitalismo contemporâneo.

“É libertador o discurso aparentemente emancipatório de que você pode trabalhar o quanto quiser, quando quiser e ganhar o quanto merecer. Mas esse discurso, que ressalta as maravilhas de não ter patrão e não ter vínculos com empresas, esconde o lado perverso da perda de direitos conquistados a duras penas pela velha estrutura sindical”, explica.

Leia a análise completa aqui.

Mobilização dos entregadores

Os entregadores ouvidos pelo Observatório disseram que ficaram sabendo do Breque dos apps  pela internet, mas continuaram seu trabalho normalmente no dia 01/07. Eles alegam que, em Macapá, não houve mobilização nem discussão entre os entregadores.

No dia 25 de julho, uma nova paralisação está marcada, reforçando as pautas da greve: remuneração mais justa e maior do que a atual; pagamento padronizado entre as plataformas por quilometragem percorrida; suspensão imediata de bloqueios sem justificativa e o fim do esquema de pontuação. Os trabalhadores também cobram mais ações efetivas de prevenção contra a covid-19.

Procurado pela equipe de reportagem do Observatório, o porta-voz do movimento Entregadores Antifascista, nacionalmente conhecido como Galo deixou um recado para os entregadores amapaenses: