Os riscos ao meio ambiente e aos povos da floresta são denunciados por organizações de direitos humanos de toda região amazônica e serão debatidos em evento internacional entre 18 e 19 de julho

A pesquisadora do Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas, Paula Bastone, apresenta um panorama sobre a agenda do atual Governo para Amazônia e as implicações das políticas ambientais adotadas na imagem brasileira no exterior.

A ofensiva de governos e grupos econômicos contra o meio ambiente e os povos da floresta será tema da Assembleia Mundial para Amazônia, entre os dias 18 e 19 de julho, com  transmissão virtual e participação de 10 países da América do Sul.

Paula Bastone é professora do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Amapá e doutoranda em Democracia no Século XXI, no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal. A pesquisadora analisa, a pedido do Observatório, a atual política ambiental brasileira para Amazônia. 

É possível afirmar que a Amazônia está correndo o maior risco dos últimos tempos, no que se refere à preservação ambiental e garantia de direitos dos povos da floresta?

Paula Bastone: Sim, pois desde o governo Temer a questão ambiental se tornou uma moeda de troca no parlamento brasileiro, já que a bancada ruralista é uma das maiores e responsável pela manutenção dos governos, desde a saída da presidente Dilma.

Ano passado, nos meses de agosto e setembro, a Amazônia ardeu em fogo em vários pontos simultaneamente, tendo dados para inferir que eles foram provocados e que o governo, intencionalmente, não agiu. Tal situação levou a saída do cientista do Ricardo Galvão do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No ano de 2019, o desmatamento aumentou 30%, sendo que, no mês de julho de 2019, em comparação ao mês do ano anterior, o aumento foi de 278%. E este ano, não há indícios de que a situação irá ser diferente.

Juntamente com as queimadas, vários projetos de lei tramitam no Congresso a fim de limitar ou eliminar direitos dos povos e comunidades tradicionais. Esta semana, o governo vetou um projeto de lei que visava proteger os povos indígenas da pandemia  relacionada ao Convid-19.

Qual a análise que faz da política do governo brasileiro sobre a região? É possível apontar os principais retrocessos que na sua opinião são fundamentais para entender a política do governo brasileiro?

Paula Bastone: O atual governo, não restringindo a postura do presidente Jair Bolsonaro, tem uma visão preconceituosa e pouco nacionalista em relação a Amazônia. Membros do governo, além do próprio presidente, pronunciaram -se em relação aos indígenas, a partir de uma visão integracionista que, desde a Constituição de 1988, foi abandonada. A Carta Magna parte da prerrogativa dos direitos diferenciados aos povos indígenas, respeitando as diversidades sócio-culturais. Além do mais, o Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que regulamenta internacionalmente os direitos dos povos indígenas.

Crítica à política ambiental

Paula Bastone: O Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem tido uma atuação controvérsia, pois suas ações são consideradas pelos especialistas como antiambientalistas, visando a liberação de áreas de conservação ambiental e mudanças das leis ambientais para atividades do agronegócio e/ou mineração.

Ao assumir o cargo de ministro, em 2019, uma das medidas mais controvérsias foi a alteração do Fundo Amazônico. O ministro defendeu a reestruturação do Fundo, que foi criado em 2008 e já arrecadou 3,8 bilhões de dólares para a preservação da floresta. O ministro na época alegou que o valor arrecadado era irrisório frente ao tamanho da região. Uma das medidas apresentadas foi a de que o uso do dinheiro fosse aplicado segundo as diretrizes da política ambiental do Governo Federal. O objetivo da reestruturação seria o acesso do grupo dos agroexportadores a esse fundo, pois de acordo com o ministro, a Amazônia necessita de soluções capitalistas para levar desenvolvimento à população. Além disso, o ministro advoga a causa de  que a existência de terras indígenas e áreas de preservação ambiental restringiu o acesso dos brasileiros ao seu próprio território. Tal postura do Ministro levou grupos ambientalistas nacionais a denunciá-lo na ONU por crimes contra a humanidade. No início deste mês de julho, 12 procuradores federais entraram com pedido de improbidade administrativa contra o ministro por suas ações, que segundo os procuradores, promovem a desestruturação dolosa das estruturas de proteção ambiental e pedem seu afastamento imediato do cargo.

Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL)     

Paula Bastone: Além do Ministério do Meio Ambiente, há o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), um órgão ambiental criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, que  nunca funcionou plenamente. Foi recriado em 2020, subordinado atualmente à vice-presidência.  O CNLA visa coordenar as ações federais na Amazônia. Inicialmente, os governadores da região Norte faziam parte, mas na nova versão, eles foram excluídos.

O CNLA é composto pelo vice-presidente que é o presidente do Conselho, e mais 14 ministérios: Casa Civil, Justiça e Segurança Pública, Defesa, Relações Exteriores, Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Desenvolvimento Regional, Secretaria-Geral da Presidência, Secretaria de Governo e Gabinete de Segurança Institucional da Presidência.                               

Desta forma, o responsável legal para a Amazônia em relação à questão ambiental é o Vice-presidente. Isso justifica o convite feito pelo Senado para ouvir o General Mourão.

A pressão sobre uma nova política ambiental tem vindo de vários setores. O Ministério Público Federal e a ONU têm atuado nesse sentido. Mas além deles, um grupo de empresários, temendo uma imagem negativa do Brasil, publicou uma carta pedindo a defesa de uma agenda sustentável, que combata de forma inflexível o desmatamento na Amazônia.

O que podemos esperar de resposta internacional para a ação do governo brasileiro em relação à Amazônia?

Paula Bastone: A reação internacional já está ocorrendo. Tem a denúncia internacional contra o Ministro Salles e contra o próprio presidente. Contra este último, as denúncias não se limitam à questão ambiental, abrange também a defesa da liberdade, contra os ataques a jornalista e a defesa dos direitos das mulheres.

A carta assinada pelos empresários cobrando medidas do governo para uma agenda sustentável para região contou com assinatura de dirigentes de empresas nacionais e internacionais. Vários empresários estrangeiros já pressionam seus governos para uma reação mais dura e inflexível ao governo brasileiro, afetando diretamente o comércio exterior brasileiro.

No início de julho, o presidente do CNLA e vice-presidente da república, o general Mourão, teve uma reunião com empresários internacionais que pressionavam por maior conservação da floresta.

Tal situação propicia a fuga de investimentos do Brasil e o fechamento de mercado internacional para produtos brasileiros, atacando desta forma um dos pilares de apoio do governo, o agroexportador.

Juntamente a isso, movimentos sociais brasileiros buscam apoio a sociedade civil de outros países. Tais ações contam com apoio de pesquisadores nacionais e internacionais que fundamentam tais denúncias no espaço público internacional.

Desta forma, observamos o país sofrendo paulatinamente pressões, que podem se reverter em sanções políticas  e constrangimento internacional.