Governo Federal ameaça revogar 100 portarias  que regulam as políticas públicas de saúde mental; 
Críticos alertam para risco de retorno de manicômios no Brasil;

No início do último mês de 2020, o Ministério da Saúde apresentou a proposta de revogar cerca de 100 portarias, editadas de 1991 até 2014, sobre saúde mental.

O Brasil vem constituindo, há 30 anos, uma política pública que respeita e protege as pessoas com transtornos mentais de abusos de tratamentos que priorizam a internação, sem necessidade expressa. 

Antes do início da construção das atuais políticas públicas de saúde mental, pessoas internadas em hospitais psiquiátricos eram submetidas a tratamentos baseados em torturas, como o eletrochoque e a camisa de força.

A Luta Antimanicomial é um movimento que luta pelos direitos humanos e mentais de pessoas com transtornos psicológicos. No Brasil, o debate se iniciou nos anos 1970, quando o sistema psiquiátrico do país era comparado ao Holocausto Nazista.

Brasil e a Luta Antimanicomial

As atuais políticas de saúde mental no Brasil correm risco de desmonte. Em reunião, o Ministério da Saúde apresentou a proposta de revogar cerca de 100 portarias que regulam serviços relacionados aos cuidados com pacientes com problemas de saúde mental no sistema público. O destaque é para a revisão do financiamento do CAPs (Centro de Atendimento Psicossocial).

A proposta foi apresentada por um membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e tem como base o documento “Diretrizes para um modelo de atenção integral em Saúde Mental no Brasil”, assinado pela Associação e outras entidades médicas.

A polêmica acerca desse documento é, que na prática, seria desestruturar as políticas e projetos já existentes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

A RAPS é constituída por serviços e equipamentos como: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); Serviços Residenciais Terapeuticos (SRT); Centros de Convivência e Cultura; Unidades de Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III).

Os serviços e equipamentos são alternativas para a internação em hospitais psiquiátricos. Atualmente, somente os casos mais graves são direcionados para internação em hospitais gerais.

Essa estrutura de acolhimento, que evita a internação como regra geral para o atendimento, pode ser desmontada. 

Em contrapartida, o Ministério da Saúde sugere a criação de Ambulatórios Gerais de Psiquiatria e Unidades Especializadas em Emergências Psiquiátricas. 

Pesquisadores alegam que tais mudanças apresentam resquícios da política manicomial, que existiu no Brasil até 2001, ano em que passa a vigorar a Lei n°10.216, que reformula o modelo de atenção à saúde mental no país. 

No Brasil, identifica-se uma disputa sobre como devem ser implementadas as políticas de atenção à saúde mental. 

De um lado, há grupos defensores de um modelo de institucionalização, simbolizado pelas alas e hospitais psiquiátricos para atendimento a pacientes. 

Por outro lado, o movimento de Luta Antimanicomial defende um modelo mais humanizado, de promoção de vínculos familiares e comunitários como estratégia para inclusão e sociabilidade de pacientes.

Governo Bolsonaro e Saúde Mental
O Ministério da Saúde publicou em nota técnica alterações significativas relativas ao Sistema Único de Saúde (SUS), em detrimento à organização das políticas públicas de saúde mental.

O documento também fragiliza a política de atendimento aos usuários de drogas, voltada a redução de danos. 

No Brasil, o sistema psiquiátrico adotado antes da política de redução de danos foi violento e denominado Holocausto Brasileiro.

Holocausto Brasileiro
O Hospital Colônia de Barbacena, Minas Gerais, foi o maior manicômio do Brasil. Inaugurado no ano de 1903, os anos 1960 a 1970 foram os mais violentos totalizando mais 60 mil mortos.

Dentre os mortos haviam homossexuais, usuários de álcool e outras drogas, pessoas em situação de rua e outros grupos marginalizados.

Franco Basaglia foi um psiquiatra italiano que promoveu uma reforma no sistema de tratamento que os manicômios possuíam com seus pacientes nos anos de 1960. Nesse período, dirigiu o Hospital Psiquiátrico de Gorizia e testemunhou uma série de negligências e abusos contra os pacientes.

A partir disso, Basaglia notou que a internação e o isolamento em manicômios agravam a situação dos pacientes. 

A reforma promovida por ele foi o pontapé inicial para a Luta Antimanicomial, que é um processo de transformação nos serviços psiquiátricos para garantir respeito com a pessoa humana e seus direitos.

Franco comparou a realidade psiquiátrica ao Holocausto Nazista. Em 1970, morreram 60 mil pacientes no maior hospício do país, o Hospital Colônia de Barbacena.

Não se pode falar de Luta Antimanicomial sem falar de luta pelos direitos humanos. Em Barbacena, a morte dos pacientes ocorreu devido aos abusos extremos e negligências por parte dos psiquiatras e enfermeiros. 

O tratamento era por meio de torturas, uso de camisas de força, cadeiras elétricas e solitárias. Os pacientes eram expostos a todo tipo de precariedade.

O livro “Holocausto Brasileiro” ,de Daniela Arbex, detalha o descaso com os direitos humanos nos hospitais psiquiátricos. 

Segundo Rachel Gouveia Passos, no artigo “Luta Antimanicomial no Cenário Contemporâneo: Desafios Frente a Reação Conservadora”,  a privação da liberdade de pessoas com sofrimento psíquico em instituições retira desses pacientes direitos humanos e as torna seres alienados e impossibilitados de exercer a liberdade. 

Os Centros de Atenção Psicossocial e os programas como o “De Volta Para Casa” trabalham no resgate de laços afetivos e vínculos de pessoas com transtornos mentais à família. Essas iniciativas estão  sob ameaça de encerramento se o  “revogaço” dos decretos, prometidos pelo  Ministério da Saúde, for colocado em prática. 

O retrocesso na condução da política de saúde mental brasileira pode significar o fim de avanços conquistados ao longo de 30 anos de luta para a desospitalização de pessoas com transtornos mentais.