Foto: Pedro França/ Agência Senado

Reportagem: Crislem Freitas

A proposta aprovada no Senado e em discussão na Câmara é polêmica e divide opiniões; a preocupação central é equilibrar punição e liberdades individuais de usuários

Usado para definir notícias e informações falsas, o termo “Fake News” começou a se popularizar nas redes sociais e ganhou força pelo impacto nos processos eleitorais e pela ameaça às democracias. Disseminar mentiras se tornou uma prática associada a movimentos que disseminam ódio, contestam os direitos humanos e negam valores e ideias fundamentais para convivência democrática.

É por essas e outras razões que punir a disseminação de notícias falsas se tornou uma agenda de debate que mobiliza partidos, da direita à esquerda, organizações sociais, pesquisadores e movimentos pela defesa da democracia e direitos humanos.

Neste contexto, o Projeto de Lei Brasileiro de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecido como PL das Fake News, prevê frear a disseminação de notícias falsas na internet e punir os culpados. 

No último dia 30 de julho, o Projeto de Lei 2.630/2020 foi aprovado no Senado Federal por 44 votos a favor, e 32 votos contrários. O texto base foi construído pelo senador Alessandro Vieira, do partido Cidadania-SE, e os deputados Felipe Rigone do Partido Socialista Brasileiro – ES, e a deputada Tabata Amaral, do PDT-SP. Agora, o texto está em discussão na Câmara dos Deputados.

Algumas das medidas preveem que os provedores de redes sociais e de serviços de mensagens deverão proibir contas falsas, criadas ou usadas “com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público”. As plataformas deverão proibir também contas automatizadas (geridas por robôs), não identificadas como tal para os usuários.

O projeto também determina que as plataformas limitem o número de envios de uma mesma mensagem a usuários e a grupos de usuários e também limite o número de membros por grupo. As empresas deverão guardar, pelo prazo de três meses, os registros dos envios de mensagens encaminhadas em massa.

O texto do PL altera também a Lei 10.703/03, que trata do cadastro de telefones pré-pagos para determinar que a regulamentação dos cadastros traga procedimentos de verificação da veracidade dos números dos CPFs e CNPJs utilizados para a ativação de chips pré-pagos.

Os provedores de aplicação ficam sujeitos às seguintes penalidades a serem aplicadas pelo Poder Judiciário caso haja entendimento que há propagação de fake news: advertência, com indicação de prazos para adoção de medidas corretivas; multa; suspensão temporária das atividades; e proibição de exercício das atividades no país.

Para isso, serão analisadas a gravidade do fato, a partir da consideração dos motivos da infração e das consequências nas esferas individual e coletiva, e a reincidência na prática de infrações previstas nesta Lei.

Segundo o Marco Civil da Internet, (Lei 12.965/2014), um dos aspectos de maior relevância é liberdade de expressão, que deve ser especialmente considerada nos casos de responsabilidade de provedores de aplicações, redes sociais, por exemplo, por conteúdo de terceiros.

É importante enfatizar que o atual Marco Civil não exige ordem judicial para a remoção de conteúdo da Internet. O provedor de aplicações de internet poderá não disponibilizar ou remover determinado conteúdo se ele ofender os termos de uso e políticas da plataforma.

Tramitação e críticas ao projeto

No dia 2 de junho, quando estava marcada a primeira votação, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, retirou o projeto da pauta e em seu perfil no Twitter deu a seguinte declaração: “Além de garantir a contribuição de todos os senadores na construção do texto, a PL 2630/2020 deve assegurar que as pessoas possam continuar se manifestando livremente, como já garante nossa constituição. Mas, ao mesmo tempo, protege-las de crimes virtuais”.

Porém, no dia 30 de junho, o senado aprovou o projeto por 44 votos a 32, e a PL das fake news seguiu para a Câmara. Ele poderá voltar a ser analisado pelos senadores caso seu texto seja aprovado com alterações pelos deputados.

Alvo de críticas de diversas organizações da sociedade civil, o projeto em debate no Congresso recebeu manifestação do relator especial da ONU sobre direito à privacidade, Joseph Cannataci, que em carta enviada às autoridades nacionais alerta dos riscos do projeto de lei ao direito à privacidade, à democracia, e às liberdades civis.

A carta chegou às autoridades brasileiras no dia 7 de julho. Nela, Joseph Cannataci pede que o país reveja o projeto de lei. “Embora esta medida seja entendida como destinada a restringir a capacidade de ação de grupos ou interesses que coordenam o envio de mensagens maliciosas, ela levanta questões relativas à proporcionalidade, adequação dos mecanismos de supervisão existentes no Brasil”, alerta o relator.

Outra instituição que se posicionou foi o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que criou uma comissão técnica para avaliar o projeto. Pelo menos dois pareceres circulam na entidade com opiniões opostas sobre o tema. A conselheira federal do órgão, Sandra Krieger Gonçalves, apresentou um voto contra o projeto de lei em uma reunião do Conselho Federal da OAB, que aconteceu no dia 7 de julho, e pede que a instituição envie ao Legislativo uma manifestação para que a PL não seja aprovado.

Um dos pontos de maiores divergências diz respeito a criação de um “Conselho de Transparência”, que segundo a proposta, serviria para a realização de estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet, além de acompanhar as medidas previstas em eventual nova lei.

Em entrevista para o jornal O Estado de Minas, a conselheira  Sandra Krieger Gonçalves diz: “Estaria esse conselho imbuído de um propósito de definir, inclusive e meritoriamente, o que é desinformação. Na essência, o que aparentemente é apenas um órgão consultivo parece criar, na verdade, uma agência reguladora da informação, o que é, de todo olhar, temerário para um Estado Democrático de Direito” 

Soluções mais eficazes

Segundo um relatório produzido em 2018 pelo Grupo de Especialistas de Alto Nível da Comissão Europeia (High Level Expert Group), órgão executivo da União Europeia, há uma série de recomendações no sentido de garantir maior transparência nas plataformas digitais. Mesmo não focando apenas nas Fake News, o relatório do Grupo de Peritos incide especificamente nos problemas associados à desinformação online, que vai além das notícias falsas e inclui ainda conteúdos que combinam informações fabricadas com fatos.

As medidas foram compartilhadas pelo Instituto de Referência em Internet e Sociedade. Dentre elas estão:

– Aumentar a transparência das notícias online, envolvendo o compartilhamento de dados do sistema que permitem sua circulação online de forma adequada e de acordo com os termos de privacidade;

– Promover a alfabetização midiática e informacional para combater a desinformação e ajudar os usuários a navegar no ambiente digital;

– Desenvolver ferramentas para capacitar usuários e jornalistas para combater a desinformação e promover um envolvimento positivo com tecnologias de informação que estão evoluindo rapidamente;

– Salvaguardar a diversidade e a sustentabilidade do ecossistema dos meios de comunicação social; e,

– Promover uma pesquisa contínua acerca dos impactos da desinformação, a fim de avaliar as medidas tomadas pelos diferentes atores e ajustar constantemente as respostas necessárias. 

Críticas e divergências

Algumas das diversas críticas está na necessidade de definir com precisão o que é desinformação. Segundo especialistas, isso é complicado e perigoso, pois pode ser utilizado de forma errada e de acordo com interpretações pessoais. Outra crítica é a definição de quem é “verificador de fato” do conteúdo supostamente falso, pois é preciso uma série de requisitos que garantam com segurança a veracidade de uma informação que circula na internet.

Há uma preocupação por parte de especialistas da área de comunicação. Segundo o texto do PL, as publicações em redes sociais que forem pagas para serem impulsionadas, por exemplo, passariam por um processo de total transparência. As empresas teriam que prestar contas do dinheiro usado em ferramentas como Facebook Adwords.

Em publicação para a revista Direitos Sociais e Políticas Públicas do Centro universitário UNIFAFIBE de São Paulo, o professor Pós-Doutor Vinícius Borges Fortes e o mestrando Welligton Antonio Baldissera, analisam a regulação das fake news e liberdade de expressão sob a perspectiva jurídica

“As fake news ferem alguns dos direitos que são garantidos pela nossa legislação, como a honra e o direito à privacidade, diante disso, tal apontamento nos leva a um debate interessante: em que hipótese um possível controle sobre as notícias que venham a ser vinculadas na internet, feriria o direito à liberdade de expressão ou o direito da população à informação?  A dificuldade em estabelecer uma regulação sobre as fake news ,surge no momento em que é difícil separar, com exatidão, o que são realmente notícias falsas, sem embasamento algum, de opiniões próprias, interpretações, em alguns casos, até há confusão com notícias verídicas.”

Outro especialista que analisa o texto base do projeto de lei é o professor da Universidade Federal do ABC, Sergio Amadeu. Ele é sociólogo, consultor de comunicação e tecnologia e membro do Conselho Gestor de Internet (CGI) do Brasil. Em coluna no site Carta Capital, o professor afirma:

“Transformamos o correto combate à desinformação que precisa ser feito com mecanismos de formação, de promoção de diversidade e pluralidade, de discussão sobre o funcionamento das plataformas, numa cruzada. Mentiroso bom é mentiroso preso virou o nosso bandido bom é bandido morto. Nem a morte é punição proporcional para um infrator, nem a prisão é punição proporcional para quem divulga desinformação. Todo combate à desinformação precisa ser realizado com cautela”.

A expectativa era a de que o texto enviado aos deputados fosse debatido e a aprovação do PL 2630/2020 acontecesse ainda em 2020.No entanto, as eleições municipais pode atrasar a discussão do projeto, o que pode ocorrer apenas no próximo ano.

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