Janaína Pinheiro Corrêa Serra Alves, Secretária de Organização da UJS Amapá, Estudante de Ciências Sociais, colaborando na comunicação da Frente Feminista da UJS Nacional  e Mídia Ativista

O mundo, em pleno século XXI, ainda lida com traços fortes de uma construção patriarcal. E, mesmo com diversas conquistas feministas ao longo dos séculos, como o direito ao voto e o acesso à educação, vivemos sob a dura régua machista da sociedade, que nos mede como inferiores, menos capazes, cujas vidas não importam.

Diante disso, há quem diga que o feminismo não é necessário. Porém, ele tem sido e ainda é a chave para a libertação da população feminina das amarras que nos são dadas assim que nascemos, e ele assusta quem quer nos ver para sempre como submissas.

Dentro da pandemia do Coronavírus (COVID-19), uma outra tragédia, além da disseminação do vírus, vai tomando forma. Lorena Quarantana, médica italiana de 27 anos, foi assassinada na semana passada pelo próprio namorado, que alegou ter contraído coronavírus por contato com a médica e então, tirou a vida de mais uma mulher.

No Brasil, o estado do Rio de Janeiro e a capital paranaense, Curitiba, apresentaram aumento dos registros de violência doméstica ao longo da primeira semana de isolamento domiciliar. Mesmo assim, com praças ficando vazias, as ruas menos movimentadas, seria possível acreditar que, então, todos estão seguros em casa. Em relação ao vírus sim, mas outro aspecto do isolamento domiciliar precisa ser assistido, pois estamos vivendo um momento ainda mais perigoso para a população feminina, que agora precisa ficar em casa. 

Mulheres Expostas ao Vírus do Machismo

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro, trouxe à tona dois fatos constatados em pesquisas realizadas no ano de 2020 (antes da quarentena): 55% dos casos de feminicídio apurados tinham histórico de violência doméstica anterior, e 73% deles foram cometidos no chamado período de descanso, que corresponde aos turnos da noite e madrugada, horários em que as pessoas estão mais presentes em suas casas.

Além disso, baseado nos casos que assolam a sociedade mundial, na maioria das vezes as vítimas de feminicídio, violência doméstica e abusos sexuais são alvos de pessoas próximas. Diante disso, o que precisa ser compreendido no atual momento em que vivemos, é que as mulheres estão 24 horas em quarentena, ou seja, muitas delas estão todos os dias confinadas sob o mesmo teto que seus agressores, assassinos, abusadores. Essas mulheres não podem sair de casa pois a quarentena é a principal ferramenta de combate ao coronavírus e mesmo assim elas precisam ter o direito de permanecer em um isolamento seguro. 

Mas como fazer a sociedade entender a gravidade dessa situação, e principalmente, como libertar as mulheres da crença da dependência financeira e emocional, que leva ao confinamento com esses homens?

A questão é bem mais profunda se pararmos para analisar a história da nossa sociedade e todos os seus pilares machistas e patriarcais, porque tudo isso influencia, por exemplo, na vida das ribeirinhas da região Norte, que não acreditam ter outra opção a não ser viver condenadas.

Desde muito novas somos levadas a acreditar que nossa existência no mundo se dá unicamente em prol da criação de um lar, da criação dos filhos e da subserviência à figura masculina. Não podemos almejar nada além do que determinaram para o nosso gênero, e se apanhamos foi porque merecemos, se morremos também merecemos. É por isso que, mais do que nunca, a pauta feminista precisa estar servida nas mesas das famílias, do café da manhã ao jantar.  

Desafios da Luta Feminista na Quarentena

O Feminismo prega a igualdade de gênero, uma sociedade a qual mulheres e homens tenham, de fato, os mesmos direitos. Defende que mulheres possam andar nas ruas sem ter que aguentar ofensa disfarçada de cantada, meninas e mulheres devem entender que seus corpos a elas pertencem. Ele defende que as mulheres possam ganhar o mesmo salário que os homens ao desempenhar a mesma função, bem como empodera a mulher para que ela seja a dona do próprio destino, e esse é, sem dúvida, um caminho sem volta.

Por isso, o Feminismo, que detém diversas vertentes (Liberal, Emancipacionista, Negro…) precisa ser uma discussão presente na realidade de todas as pessoas, e deve se adequar a discussão de gênero, de raça e de classe, para que a sociedade seja reconstruída pautada em preceitos mais igualitários.  

Durante a rotina normal, o feminismo- sempre bastante debatido dentro das universidades, grupos políticos e coletivos-, para atingir toda a população, precisa sair dos muros dessas entidades. Contudo, durante a quarentena, com a impossibilidade da troca de conhecimento através das conversas, o esforço precisa ser maior na propagação do Feminismo, através das redes sociais, das conversas familiares, e do repasse de informação de uma forma geral.

O trabalho para que as mulheres não fiquem confinadas com seus algozes é de toda a sociedade e do Estado. Os postos de recolhimento das denúncias precisam funcionar, o 180 (Central de Atendimento à Mulher) precisa ser divulgado e estar ativo, nossa solidariedade para com a vizinha deve ser real, ao menor barulho de objeto quebrando. Porque como disseram feministas italianas, ao não poderem realizar as manifestações do dia 8 de Março deste ano nas ruas: “não queremos voltar à normalidade, porque esta normalidade já é demasiadamente injusta e desigual, racista e heteropatriarcal”.

Portanto, a revolução feminista não entrará em quarentena, ela continuará sendo a ferramenta de sobrevivência das mulheres e a engrenagem de um futuro melhor, pois daqui não iremos para trás. A luta continuará sendo diária, pelas que já se foram e pelas que ainda virão, por enquanto, com as ferramentas que estiverem ao alcance. 

Serviço:

A central funciona 24h todos os dias da semana – Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), por meio da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM) .

*O artigo não representa a opinião do Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas e tampouco da Universidade Federal do Amapá.