As eleições municipais de 2020 foram singulares se comparadas as disputas anteriores. Fatores como a crise econômica, a pandemia e o apagão, que ocorreu especificamente no estado do Amapá, construíram um novo cenário para as candidaturas políticas municipais.
Para analisar o cenário político marcado pelas eleições municipais e apontar desafios dos prefeitos eleitos e dos partidos políticos no próximo ano, o Observatório TV entrevista a professora e pesquisadora Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFScar).
A entrevista completa está disponível no canal do Observatório disponível aqui.
A pesquisadora explica que a conjuntura vigente na política nacional estão ligadas a acontecimentos políticos, marcadamente os protestos de rua em 2013 e as eleições presidenciais de 2018. Soma-se a isso, o cenário de crise sanitária que surge com a pandemia do novo Coronavírus.
A pesquisadora destaca ainda que a pandemia é um fator determinante na escolha dos novos gestores. “Essa questão nacional atravessa muito fortemente essa eleição em todos os tamanhos de cidade, sejam as pequenas, as médias ou as grandes”, diz a professora.
Segundo ela, as eleições municipais são o momento onde os candidatos são mais cobrados devido à proximidade dos eleitores com o pleito. Os eleitores se tornam mais críticos por verem de perto os problemas estruturais das cidades.
Desafios na gestão das prefeituras
A crise sanitária instaurada em 2020 tende a continuar em 2021. No entanto, antes da pandemia, o Brasil já vivenciava uma crise política. A expectativa é a instabilidade política se intensifique em 2021.
Segundo Maria do Socorro, os maiores desafios dos novos gestores estarão relacionados à crise sanitária e, principalmente, à crise econômica.
A pesquisadora explica que o debate sobre a revisão do número de municípios pode ser um tema de discussão, pela necessidade de enxugamento e extinção de cidades menores que possuem dificuldade de se sustentarem financeiramente.
“A partir da constituição de 1988, (houve) um ‘boom’ na criação de novas cidades e, muitas vezes, são cidades muito pequenas que não têm o orçamento capaz de manter aquela cidade com toda a estrutura que precisa”, complementa.
A crise econômica brasileira existe desde 2008, no entanto, nos últimos 3 anos houve sua intensificação. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 5,3%. Até 2020, o maior declínio havia sido de 4,33% no ano de 1990, de acordo com a pesquisadora.
Em um cenário de crise, com diminuição de repasses aos governos municipais, o desafio é gerir as demandas municipais com orçamentos reduzidos.
“Os novos prefeitos que vão assumir, vão ter que saber gastar, porque eles terão recursos reduzidos. Então, não dá para continuar gastando mais do que se arrecada. É um desafio muito grande dar conta de todos os serviços e pagar o salário de todos os funcionários”, explica a pesquisadora.
Apoio presidencial e eleições municipais
O principal tema que as campanhas eleitorais trataram em 2020 foi a questão da saúde pública, seguido de temas de infraestrutura urbana. A pesquisadora Maria do Socorro explica que a pandemia trouxe consequências públicas. A questão do Auxílio Emergencial, por exemplo, é um fato determinante no debate pré e pós-eleitoral.
Grande parte do eleitorado acredita que o auxílio é de responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro, no entanto, o próprio presidente foi contra o valor estipulado pelo Congresso.
“Aquela cidade que teve maior distribuição de auxílio possui a tendência que esse eleitorado vote naqueles candidatos que o presidente apoiou. A distribuição de renda dessa forma afeta a população”, explica a professora.
Apesar de haver uma parcela dos votantes que pensam dessa forma, há ainda quem questiona e é contra o presidente, devido às omissões que ele cometeu no início da pandemia, onde em diversas ocasiões tratou o vírus como uma “gripezinha”.
Mesmo havendo essa parte crítica, a pesquisadora Marisa do Socorro acredita que a tendência é que o eleitorado que foi beneficiado pelo Auxílio Emergencial vote em candidatos apoiados pelo presidente.
“A influência do Governo Federal é muito importante, o ex-presidente Lula da Silva teve muito apoio em nível local justamente pelo programa Bolsa Família e pelo aumento do salário mínimo. Isso tudo afetou e afeta a relação do eleitor ao seu governante”, explica Maria do Socorro.
A eleição de 2020 é muito importante porque, segundo a pesquisadora, em 2018, tivemos um ponto de inflexão no sistema político brasileiro que estava relativamente estável. Maria do Socorro explica que o Brasil teve um período longo de estabilidade no sistema partidário desde 1994.
“Em 2018, tivemos esse ponto de inflexão onde a gente deixa de ter esse padrão nacional razoavelmente que estava funcionando que era PT e PSDB e passa a ser PSL, elegendo Jair Bolsonaro”, fala a pesquisadora.
Papel das redes sociais nas eleições
O papel midiático em uma eleição é de suma importância. A publicidade e o alcance do candidato define um pleito.
Em 2018, a corrida presidencial foi definida nas redes e a internet mais do que nunca se fez presente. Com a pandemia e o isolamento social impedindo carreatas e bandeiradas, os candidatos se encontraram com a necessidade de ocupar espaço nas redes sociais.
A pesquisadora Maria do Socorro explica que a cada eleição que passa, mais partidos e candidatos descobrem a importância do uso das redes, o que garante certa democratização no acesso à informação.
No entanto, essa democratização só se faz presente quando há o bom uso das redes. “Eu penso que se souberem usar as redes sociais será um grande instrumento de democratização do acesso às pessoas. Quanto mais informado é o eleitor, a tendência é ele ser mais crítico e isso é melhor para ele”, explica a pesquisadora.
Socorro reitera que é preciso um cuidado maior com a questão das fake news porque essas informações falsas podem influenciar os resultados de uma eleição. “Elas podem acabar com uma candidatura e podem ainda fazer candidatos vencerem eleições com nada construtivo e nada elaborado”, diz ela.
O espaço e o futuro da esquerda
Desde pouco antes do impeachment contra a ex- presidenta Dilma Rousseff, a esquerda brasileira está fragilizada. A eleição do então presidente Jair Bolsonaro pelo PSL trouxe um novo cenário para a política brasileira.
A pesquisadora Maria do Socorro explica que, com a saída do PT, começou a ocorrer uma narrativa muito forte de destruição de tudo que já havia sido feito pelo partido de esquerda.
Partidos de esquerda são caracterizados pelas bandeiras de diminuição das desigualdades sociais. Com o desmonte que o Brasil vivencia a pesquisadora acredita que é hora da união de partidos de esquerda na construção de uma frente ampla. No entanto, Maria do Socorro reitera a necessidade de que essa frente ampla seja unicamente de partidos de esquerda.
“É muito importante que os grupos de esquerda pensem ainda num conjunto de propostas, que faça ainda uma eleição propositiva, que esteja sempre a frente dos grupos que estão no poder para sinalizar a população dos projetos que ainda vão passar, especialmente em nível federal”, explica.
“A gente precisa renovar nossas lideranças, tornar as representatividades maiores com mais mulheres, indígenas, jovens, negros. Com certeza os partidos de esquerda, sendo esse pivô com vida própria, podem ter mais filiados para levar seus candidatos para zonas políticas partidárias”, conclui a pesquisadora.
Confira a entrevista completa com a professora e pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), Maria do Socorro Sousa Braga.