Número de mortos por policiais tem crescido ano a ano — Foto Guilherme Gomes e Wagner Magalhães G1
Reportagem: Maria Silveira
Enquanto comemora a diminuição de mortes violentas e desempenho das forças de segurança, o estado lidera estatísticas de morte cometidas por policiais no Brasil
Em 2019, o estado do Amapá registrou o maior número de mortes por policiais do país. De acordo com os dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram 128 pessoas mortas por agentes da polícia (66 a mais do que no ano anterior), com taxa de 15,1 mortes para cada 100 mil habitantes, superando o estado do Rio de Janeiro e equivalente a cinco vezes maior que a taxa nacional de 2,9 mortos.
Para a advogada presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/AP, Maria Carolina Monteiro, é preciso identificar os sujeitos que são alvo das investidas policiais. Eles são jovens negros e da periferia.
Apesar da queda de mortes violenta no país ter sido um recorde batido o recorde (19% a menos que 2018), o Brasil teve um aumento no número de vítimas em confronto com a polícia. Em um ano, foram 5.804 pessoas assassinadas, taxa 1,5% maior que 2018, informa o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019.
O Governo do Estado do Amapá por outro lado, comemorou uma redução de 25% nos crimes violentos; para os homicídios foram cerca 23,91% em relação ao ano de 2018. Houve ainda um investimento em segurança pública de R$ 136 milhões no estado.
Para a Juliana Rodrigues, defensora pública do núcleo de execução penal, integrante do Conselho Penitenciário do Amapá e coordenadora do grupo de trabalho de direitos humanos da Defensoria Pública Estadual, essa comemoração é precipitada e revela um problema de política pública.
“Como são construídos esses dados? As mortes em confronto apontadas no índice estadual parecem separadas aos índices nacionais de violência do estado. Será que essa taxa está inserida nos valores que eles dizem ter reduzido? Isso indica muita coisa, porque se não registrada, fica a ideia que a violência que os agentes do estado cometem não é criminosa”, aponta a defensora.
Juliana Rodrigues, defensora pública do núcleo de execução penal
“Que tipo de polícia está sendo construída nesse espaço? Se você tem uma polícia que mais mata no país, isso é um problema de política pública”, Juliana Rodrigues.
Política de confronto
É papel do estado garantir a segurança da população. A prática comum é o confronto entre a polícia e suspeitos armados, onde ocorre a maioria dos homicídios.
“Fazer política pública aqui no estado é como dar um tiro no escuro. Tem um investimento, mas não tem um debate de como tem que ser construída essa instituição de segurança, se irá ser pautada em um programa de polícia comunitária ou com uma política de confronto. É um problema público e tem que ser tratado como tal O primeiro passo é recolher dados para abrir esse debate”, explica Juliana.
No Amapá, não há um instituto de segurança pública que pesquise ou recolha dados para que a partir deles possa ser avaliada as estratégias de segurança adotadas pelo Estado. Segundo o governo, os investimentos em segurança no estado são voltados para ações integradas das forças policiais e fortalecimento do serviço de inteligência para identificação dos crimes organizados.
Para a defensora não basta criar um órgão de controle e colocar numa sala escondida, é criar mecanismos para que a população se sinta segura e confiante o suficiente para denunciar. “Que tipo de investimento em segurança pública é esse que não investe também em órgãos de controle e mecanismos de controle da sociedade civil na criação de procedimentos de investigação que sejam públicos e conhecidos da população?” indaga Juliana.
“Bandido bom é bandido morto”
No cenário eleitoral e governamental em que vivemos, discursos que mais do que nunca estão tomados de ódio e falta de informações dificultam a qualidade do debate público acerca da atuação policial.
“Quando um agente estatal tira a vida de alguém suspeito de ato criminoso é um ato ilegítimo e cabe ao Estado o controle para que não esteja automaticamente corroborando com essa prática. Essa é a coisa mais básica em qualquer democracia que se preze”, explica Juliana Rodrigues.
Para o advogado e membro da comissão nacional de Direitos Humanos da OAB Nacional, Maurício Pereira, os dados da redução de 25% nos crimes de homicídio são manipulados. “Todo ato praticado por policial civil ou militar contra um civil é crime de homicídio e deve ser apurado como tal” comenta o advogado.
Maurício Pereira, o advogado e membro da comissão nacional de Direitos Humanos da OAB Nacional
No caso de homicídio, deve ser verificado se o policial, na hora do crime, estava amparado em ato de legítima defesa ou de terceiros e cumprimento do dever legal.
Para o advogado “o policial sequer vai ser processado, mesmo o ocorrido devendo ser contabilizado como homicídio, a medida que a morte é vista como intervenção policial os dados são maquiados, alterando as estatísticas do Amapá”.
O incentivo à letalidade nas intervenções policiais, para o advogado, é fomentada pela impunidade policial organizada pelos órgãos públicos e pelas próprias corporações.
“A apuração de homicídio em todo o estado é feita pela Delegacia de Homicídios, mas, no caso de intervenções policiais, ela é proibida, quem faz a apuração são as delegacias de bairro que não tem estrutura e nem aparato de inteligência. Até acontecer a apuração já passou uma semana, as provas são perdidas”, explica.
“O próprio comando absolve em mídias sociais oficiais e na grande imprensa o seu policial, acusando o suspeito de integrante do crime organizado sem nenhuma investigação”, Maurício Pereira.
As pessoas que mais morrem por polícias em todo o país de acordo com o Anuário (2018), 77,9% são jovens entre 15 e 29 anos, 99,3% de sexo masculino e 75,4% negros. Segundo pesquisa Datafolha publicada em abril de 2019, 51% da população brasileira relatou ter medo da polícia, e 47% afirmaram confiar na instituição.