Geovane Grangeiro, Formado em Ciências Sociais (UFPA); Especialização em Mídias na Educação (Unifap). Servidor do INCRA e Professor de Sociologia do Estado do Amapá Presidente da CUT-AP (2013-2019).
A recente pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, divulgada no dia 06 de abril, revelou que 59% da população não concorda com a renúncia do presidente Jair Bolsonaro. Considerando as obscenidades acumuladas desde que assumiu somadas às que ele ou seus ministros produzem diariamente, esse resultado parece surreal. Bolsonaro sabota a compostura protocolar do cargo, que se espera de alguém com investidura institucional tão importante, o que faz dele uma figura bizarra quando comparado com outros chefes de Estado. Só para citar en passant, lembremos da referência que fez sobre a mulher do presidente da França. Descabida e desnecessária, para dizer o mínimo.
Mas não é apenas no campo comportamental que Bolsonaro envergonha. Os números da economia de 2019, seu primeiro ano de governo, não são nenhum pouco auspiciosos. O PIB do ano passado patinou em 1%, muito aquém do prometido pelo “posto Ipiranga” Paulo Guedes, o mais extremista neoliberal que se tem notícia. Soma-se ainda a retomada da concentração de renda, aumentando o fosso entre ricos e pobres; precarização do trabalho; desemprego elevado.
A Continuidade de uma Política Anti-Povo
Boa parte desse quadro caótico, Bolsonaro herdou do governo Temer, é verdade. Isto, no entanto, não o torna menos cúmplice dessa herança deletéria. Pelo contrário. A agenda econômica atual é continuidade e aprofundamento da anterior, quando Bolsonaro ainda era deputado federal do baixo clero e votava a favor das principais medidas anti-povo que chegavam ao Congresso enviadas pelo executivo, como a Reforma Trabalhista, a Terceirização e Lei do Teto dos Gastos. As digitais estão lá,
firmes.
Por outro lado, Michel Temer colheu uma popularidade aterradora, com menos de dois dígitos de aprovação. Se na economia Temer e Bolsonaro se equivalem, o primeiro de certo modo evitava excentricidades na postura como presidente e seguia o protocolo da liturgia do cargo. Mas derreteu na opinião pública após duas denúncias de corrupção apresentadas pelo então procurador geral da República, Rodrigo Janot.
Semelhantes mas não em Popularidade
Há outra semelhança entre os dois presidentes: corrupção. Aí o páreo é duro entre Jair e Michel. Logo no início do governo Bolsonaro, surgiram robustas denúncias das candidaturas laranjas do PSL, que se misturou com as das “rachadinhas” dos gabinetes da família, em que o operador Queiroz fizera transferências para a conta da primeira dama. As ilicitudes vão além, e ligam o clã do “Vivendas da Barra” às milícias do Rio, envolvidas até o pescoço no assassinato da vereadora Marielle Franco, cujos executores eram vizinhos de Bolsonaro. Todo esse lodaçal envolvendo a figura do presidente tornou-se lugar comum, ninguém desconhece.
Então por que com Temer foi absurdamente rejeitado e Bolsonaro, seu homeomorfo, é suportado por um número bem superior de brasileiros? Suportar é o termo correto, porque a mesma pesquisa do Datafolha também demonstra que somente 33% dos entrevistados aprovam a forma como Bolsonaro lida com a pandemia, por exemplo. Outra pesquisa também revela que 17% dos eleitores de Bolsonaro já se arrependeram do voto.
A Tolerância a Bolsonaro
Dois fatores dão pistas sobre essa relativa tolerância a Bolsonaro. O primeiro está na memória recente do impeachment de 2016. Naquela ocasião a maioria absoluta da população pedia a saída da presidenta Dilma na esperança de dias melhores. Consumado o desejo, com direito a um espetáculo grotesco de horror durante a sessão do Congresso, comandada pelo criminoso Cunha, o que sucedeu após a saída da presidente foi deterioração das condições de vida dos brasileiros. Ou seja, o efeito colateral do Golpe na democracia foi travosamente amargo. Ou seja, para o eleitor médio, que não viu relação entre a saída antecipada de um presidente e a melhoria do país, tão pouco acha que se Bolsonaro renunciar a vida vai ter novos ares.
O segundo fator pelo qual a maioria ainda prefere a continuação do atual presidente tem a ver com o vice. Impossível escamotear que Mourão é a outra face da mesma moeda. O eleitorado é relativamente racional e sabe que numa eventual renúncia, o vice assume e tudo será mais do mesmo. Os trabalhadores, por exemplo, que temiam a famigerada Reforma da Previdência, que motivou uma das maiores greves gerais em 2017, não
conseguiram impedi-la em 2019. Na lógica do “nada é tão ruim que não possa piorar”, o eleitorado prefere deixar como está e não arriscar. Mourão não vale um tostão.
Daí a paciência do eleitor insatisfeito com Bolsonaro. Mas o presidente também goza de 30% de aprovação. Trata-se de um reduto bolsonarista encrustado na classe média brasileira, em grande medida protofascista, categoria tomada do Jessé Souza em “A Elite do Atraso”. Nesse campo radicalizado de seguidores, está contida uma fração de indivíduos intolerantes, ensandecidos e perigosos, vide o protesto que fizeram em São Paulo impedindo a passagem de ambulâncias que levavam pacientes ao hospital.
Missões das Forças Progressistas
Portanto, entender a capacidade de resiliência de Bolsonaro é fundamental para que o conjunto das forças progressistas não subestime o inimigo, como também não o superestime atribuindo-lhe capacidades que não tem. Assim será possível encontrar as armas mais eficientes para preparar a derrota dessa agenda obscurantista. Precisamos insistir no esclarecimento da população, apontando-lhe qual é o melhor caminho. Igualmente urge reatarmos o diálogo com setores onde Bolsonaro inoculou quantidade grande de seu veneno, me refiro ao pentecostais e militares. É preciso quebrar essa parede.
Também reconhecer nossos acertos e lhes dar a devida ressonância é fundamental. Refiro-me à atuação dos parlamentares de esquerda no Congresso, que com muita articulação garantiram um seguro emergencial às famílias bem mais generoso, desmascarando a farsa da esmola de 200 reais de Guedes.
Por fim, essa época de crise da pandemia está deixando mais nítido para a população que somente um projeto de desenvolvimento assentado em que valores como a solidariedade, a humanidade e a igualdade pode ser mais efetivo no atendimento de suas ansiedades. Esse projeto, que busca promover a dignidade da pessoa, que reforça o papel das políticas públicas do Estado de caráter universal, a seu tempo será reconhecido pela maioria e sepultará na cova do coronavírus o atual projeto ancorado no mercado e na pseudo meritocracia. Ainda termos muita luta até lá. Mas essa é nossa aposta!
Fontes: Instituto de Pesquisa Datafolha e Portal G1
*O artigo não representa a opinião do Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas e tampouco da Universidade Federal do Amapá.