Cerimônia de Olubajé no terreiro Axefonnin. Foto: Marta Gomes

Reportagem: Thales Lima

A maior concentração de casos de intolerância tem como alvo religiões de matriz africana; os responsáveis geralmente são grupos cristãos mais fundamentalistas

Apesar da diversidade religiosa, a convivência e o respeito por distintas práticas religiosas no Brasil é um problema de violação de direitos. As culturas ameríndias e africanas historicamente discriminadas durante os três séculos do período colonial também são as mais afetadas com a intolerância religiosa. Notícias de ataques a terreiros, discriminação e preconceito contra rituais religiosos alimentam o estigma e estimulam conflitos entre matrizes religiosas.

A intolerância religiosa é a aversão à prática religiosa do outro, quando há uma restrição do direito de expressão de fé por qualquer pessoa. Não necessariamente precisa ser contra uma instituição, mas pode ser expressada em forma de cresça contra ritos, vestimentas, cerimônia, etc.

O Brasil é um país com diversidade religiosa. Segundo os dados do IBGE do último censo em 2010, comparando com ao anterior, cresceu o número das pessoas sem religião, de 7,3% em 2000 para 8% em 2010. Outro grupo que houve acréscimo foram os praticantes de religiões evangélicas protestantes, que eram 15,4% em 2000, para 22,2% em 2010. Religiões afro-brasileiras tiveram uma queda no percentual no censo de 2010 foi de 0,31% enquanto no censo anterior foi de 0,34%. A religião católica ainda predominante em adeptos é a opção de 22,2% dos brasileiros.

A Constituição Federal assegura que o Brasil é um país laico. No entanto, para o pesquisador da Universidade Federal do Amapá, professor Drº Marcos Vinicius Freitas, a ideia de um Estado laico não avançou. “A construção da laicidade no Brasil teve pouco avanço. Houve significativa defesa da liberdade de culto, da liberdade de expressão, mas não se neutralizou os privilégios que o Estado oferece para determinados grupos religiosos. Esses grupos religiosos estão emergindo com o intuito de expansão dos seus empreendimentos e da proposta de poder, utilizando do aparelho do Estado para obter benefícios particulares, seja no campo moral, no campo social ou no campo econômico”.

Esses benefícios dados a algumas religiões começam a ser objeto de disputa. Religiões de base judaico-cristã, historicamente organizadas, disputam a hegemonia em outros espaços de poder, como o político.

Para sustentar esse poder são praticadas ações de segregação justificadas por um dito ofício divino. “Esses grupos sectários entendem que eles possuem um chamado divino e a responsabilidade de poder levar a verdadeira mensagem a todos os povos. Nem que seja através da força, por atos violentos, justificando suas atitudes em nome de uma causa maior, um dever que é absoluto. Como exemplo, a imposição feita por missionários a grupos indígenas na tentativa da conversão religiosa”, explica o pesquisador Marcos Vinicius.

A mistura entre religião e política e a interferência de grupos religiosos nas instituições públicas compromete a convivência e a liberdade de culto. Um Estado é laico porque não tem religião. E por não ter uma religião, esse mesmo Estado tem o dever de garantir a liberdade e pluralismo religioso. Na estratégia de ocupar o poder político por meio da religião, surgem disputas, tentativas de ataque ao Estado Laico. É nesse momento que começa a intolerância religiosa.

“Há casos no Brasil, de igrejas católicas sendo invadidas e terem imagens de santos quebradas ou evangélicas queimadas. Existem outras religiões que sofrem com a intolerância pela sua vestimenta, pelos seus costumes, pela sua moral. Então a intolerância está em todos os grupos religiosos. Num contexto brasileiro a maior concentração de casos de intolerância está ligada a religiões de matriz africana, feitos por grupos cristãs, não todos, alguns segmentos mais fundamentalistas.”, explica o pesquisador.

O assunto foi tema de artigo científico “Intolerância religiosa: um estudo sobre os casos de intolerância ocorridos no Terreiro de Candomblé Ilê Asé Ibi Olú Fonnim e com seus integrantes na vida social”, de autoria acadêmico de ciências sociais Tiago Jorge Sousa Lopes orientado pelo professor Marcos Vinicius de Freitas Reis.

Sincretismo e religiosidade na Amazônia

As religiões tiveram que se adequarem no período colonial. Algumas religiões resistiram e se mantiveram na ilegalidade como o Candomblé; outras vieram se transformaram, incorporando elementos das religiões dominantes, como a católica.

Quando foi reconhecido pelos líderes católicos os casos de “fenômenos naturais de cura” dentro do Candomblé, ambas as religiões puderam fazer ligações através dos seus ritos, intensificando o sincretismo, com a criação de uma religião propriamente brasileira, a Umbanda.

Casamento de uma sacerdotisa, no terreiro de umbanda Mina Nagô Santa Bárbara. Foto: Jomar Magalhães

Nascimento de dois yaôs (noviços, iniciados para o orixá), no terreiro de umbanda Ilê axé Ogbá Jadilê. Foto: Jomar Magalhães

O pesquisador Marcos Vinícius de Freitas diz que o secretismo é muito comum na religiosidade brasileira. “A gente pode observar a presença e a junção de elementos africanos, indígenas e católicos aplicados ao contexto do terreiro. O sincretismo religioso é praticado dentro de uma religiosidade popular, que mesclam esses valores que está aplicado ao povo brasileiro.”

O secretismo seria a característica da religião brasileira, a agregação de vários ritos oriundos de práticas religiosas distintas. Na Amazônia, as práticas afro-ameríndias são mais presentes como, por exemplo, o Marabaixo. A manifestação engloba elementos indígenas, africanos e católicos e se transformou em um dos principais símbolos culturais do estado do Amapá.

Para o pesquisador Marcos Vinicius de Freitas Reis, a religião é um elemento muito presente no modo de vida amazônida. “A religião na Amazônia está presente em tudo. A religião é base da sociedade em formação. Ela oferece sentido para a vida, ela oferece visão de mundo, ela oferece um código de símbolos que as pessoas vão decodificar para poder então implementar suas atitudes. Para todo lado que você olha na Amazônia a religião está influenciando, dialogando e disputando espaço. Não há um segmento que não tenha a presença do elemento religioso”, diz.

O pesquisador discute o assunto no artigo A igreja católica na Amazônia: Diversidade religiosa e intolerância, publicado pelo Observatório da Religião sobre a diversidade religiosa da igreja católica na Amazônia e a intolerância contra o catolicismo popular e protestantismo praticada por padres no antigo Território Federal do Amapá.