Ilustração: Clarice Dantas
Reportagem: Clarice Dantas
Simone Karipuna, liderança indígena e coordenadora na APOIANP (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará), fala ao Observatório sobre a situação dos povos durante a pandemia.
Sem assistência do governo e em meio a uma crise sanitária, as comunidades indígenas enfrentam uma batalha solitária contra um inimigo invisível.
Segundo a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) até o final de quinta-feira (09/07) o vírus já havia contaminado 128 povos, tendo feito um saldo de 461 óbitos. Os números podem ser ainda maiores devido a subnotificações.
“A pandemia está sendo muito difícil para os povos indígenas. Estamos perdendo muitas lideranças e isso nos angustia cada vez mais. Temos uma forma cultural de lidar com a morte, e o fato de não podermos cuidar dos nossos parentes que vão a óbito é algo muito cruel”, conta Simone Karipuna, liderança indígena do Amapá que também foi vítima do novo coronavírus.
Acompanhe aqui o relato de indígenas que participam do Programa de Educação Tutorial (PET), do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Federal do Amapá, sobre os impactos da pandemia nas suas comunidades.
A rede do Sistema Único de Saúde voltada para as demandas de saúde indígena não possui estrutura ou recursos para o tratamento da Covid-19.
De acordo com a COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) “operam no limite, sem equipamento e protocolos claros de precaução”.
Simone conta que a falta de medicamento é um fator agravante do contágio do vírus e uma das alternativas encontradas foi o uso da medicina tradicional. “Isso tem evitado que a situação fique pior. Se não fosse assim, talvez o vírus teria avançado muito mais”, afirma Simone Karipuna, em entrevista ao Observatório TV.
A liderança indígena do Amapá, da etnia Karipuna, é a entrevistada especial do Observatório TV. Acesse aqui!
Descaso do Governo e a autonomia dos povos
Os descaminhos da política indigenista no governo atual também são obstáculos na contenção do vírus nas aldeias. O descaso com o enfrentamento e a ausência de políticas públicas levou os povos a agirem de forma autônoma, bloqueando a entrada e saída dos territórios indígenas.
Em nota cobrando ações urgentes de contenção, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), repudia a postura de autoridades como o presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que recentemente editou a Instrução Normativa nº 09, permitindo a grilagem em terras indígenas e em áreas de povos isolados.
A vulnerabilidade dos territórios, torna a ofensiva dos grileiros, madeireiros e invasores mais intensa. Com a pandemia, as terras indígenas ficaram mais suscetíveis a invasões, trazendo um risco a mais de contaminação e a possibilidade de um genocídio dos povos.
Ao ser perguntada sobre a vulnerabilidade dos territórios indígenas pelo Governo Federal, Simone Karipuna é incisiva: “A FUNAI deveria ser uma parceira nossa e não está sendo. Trabalhar com os povos indígenas é saber dialogar e ter respeito pela nossa identidade. O que vem acontecendo é uma quebra de confiança da FUNAI com os povos brasileiros e nós repudiamos essas imposições nesse momento”.
Desde o início da pandemia, a FUNAI gastou apenas R$ 6,6 milhões para proteger os povos, totalizando R$ 8,35 por indígena, valor mais baixo gasto pela FUNAI em dez anos.
Na madrugada da última quarta-feira (08/07), Jair Bolsonaro vetou trechos da lei de proteção aos povos indígenas contra a Covid. Em nota, a CIMI afirma que a atitude reafirma o projeto genocida do atual governo.
O Conselho Indigenista Missionário afirma também que os óbitos poderiam ter sido menores se houvesse mais investimento na saúde. Além disso, o acesso de não-indígenas aos povos deveria ter sido proibido. A proximidade de algumas aldeias com cidades e a passagem de estradas é um fato que facilitou o contágio.
No último dia 22 de junho, o CCPIO (Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque) informou que continua suspensa, por tempo indeterminado, a entrada de não-indígenas nos 3 territórios indígenas do Oiapoque.
Outros desafios para além da pandemia
Um importante ponto da luta indígena que se intensificou durante a pandemia foi a questão da demarcação de terras. Segundo a liderança indígena Simone Karipuna, desde o governo anterior já havia um indicativo de que seria muito difícil avançar na pauta. Com a chegada do governo atual ficou mais ainda.
Desde que foi eleito, o presidente Jair Bolsonaro tem cumprido a promessa de que não demarcaria nenhuma terra indígena.
Dentre outras derrubadas de direitos dos povos, há a também a “MP da Grilagem” agora PL 2633/20. O Projeto de Lei objetiva regularizar territórios invadidos e desmatados ilegalmente por grileiros.
“Para um indígena, não ter seu território é o mesmo que não ter água para beber. Nós queremos demarcação, e nesse governo nós temos sofrido várias derrubadas de direitos”, conta ela.
O Ministério Público Federal (MPF) divulgou diversas recomendações a órgãos públicos, estados e municípios para a proteção dos territórios e a medidas para retirada imediata de madeireiros, grileiros e demais invasores.
No dia 28/05, pediu a suspensão dos efeitos da instrução normativa da FUNAI no Pará, que liberavam a grilagem de terra e solicitou em conjunto, que incluísse as terras desprotegidas no Sistema de Gestão Fundiária do Governo Federal.
Confira a entrevista especial concedida por Simone Karipuna ao Observatório TV: